O pai, cristão, tenta aceitar o namoro da sua filha com um judeu. Esforça-se para convencer a si próprio de que Jesus Cristo deixou um legado de tolerância e amor ao próximo, e que esse negócio de fazer separação religiosa contraria os princípios do Evangelho.
Mas no dia do primeiro encontro com o candidato a genro, prevalece o impulso atávico. O pai se lembra do ensinamento bíblico atribuído ao Messias: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6) , e dispara contra o rapaz:
- Quer dizer que você acha que Jesus foi um impostor?
A namorada, aflita com um possível conflito entre os homens da sua vida, estremece. Mas a diplomacia vence a provável desavença:
- De jeito nenhum! Acho que Jesus foi um grande judeu!, respondeu o namorado apaixonado.
O “confronto” acaba em sorrisos e demostrações de acolhimento.
O fato aconteceu no ano de 2003 e de lá pra cá os dois, agora genro e sogro, nunca discutiram a natureza divina de Jesus, se ele é ou não o Intermediador entre o homem e Deus e Salvador da humanidade, ponto nevrálgico que diferencia o Cristianismo do Judaísmo.
Invoco esta experiência própria ( sou a filha/ esposa em questão) para afirmar que podemos superar as diferenças e evitar que as convicções religiosas se sobreponham à capacidade humana de buscar a harmonia, em torno do bem comum.
Infelizmente, estamos bem longe desta sabedoria. É só ler alguns comentários relativos ao texto anterior publicado neste blog. Quando escrevi a crônica “A mea culpa divina” e criei a fictícia conversa entre Deus e São Pedro, tinha em mente o propósito de seduzir o leitor, utlizando um repertório linguístico amplamente conhecido, para compor a questão da degradação ambiental. Mas acabei ferindo os princípios religiosos de muita gente, que não hesitou em manifestar sua contrariedade e ignorar o clamor da Natureza.
Naturalmente fiquei desapontada ao verificar a dificuldade que muitos têm em enxergar a essência através da alegoria.
Mas é Natal! Tempo de generosidade e de se emocionar com um homem muito especial, cujos relatos históricos dão conta de um grande exemplo de vida, propagado por meio de palavras e atitudes.
Jesus veio de uma família humilde de operários da Galiléia. Sua primeira casa foi uma estrebaria, junto com guardadores de rebanho, ouvindo o relincho dos jumentos e o balido das ovelhas. Ele peregrinava a pé, fazendo o bem e ensinando o caminho da abnegação. Negava-se a aceitar qualquer tipo de recompensa material pela dedicação ao próximo e acreditava que a elevação espiritual solucionaria a inquitude humana. Morreu ciente de que cumprira sua missão.
O ego humano se encarregou de distorcer este legado e transformou a lembrança do nascimento de Cristo numa festa de cartas marcadas, que, em nome da união familiar, alimenta o atual modelo econômico e seus desatinos consumistas. A indústria, que sempre exaure os recursos naturais, celebriza a figura de um velhinho bondoso que distribui presentes na noite encantada. o marketing do papai noel é muito eficaz.
De acordo com a Consultoria MB Associados, este deve ser o melhor Natal da história do Brasil, em vendas no varejo. O comércio cresce a um ritmo de 14% ao ano, e só a festa natalina deve movimentar 96 bilhões de reais. Os dados profetizam que em dezembro serão vendidos, por minuto, no país: 101 celulares, 23 notebooks, 16 computadores, 12 smartphones, 7 carros. O homem de Nazaré certamente ficaria atônito diante da ironia dos “preparativos” modernos para seu aniversário.
Nesta semana, nada mais apropriado do que homenagear a verdadeira herança de Jesus, um presente valiosíssimo nestes tempos em o mundo se depara com as dificuldades de por em prática os princípios da Sustentabilidade. Reciclar valores, voltar às raízes e aos fundamentos, privilegiar o ser em detrimento do ter, buscando uma vida frugal e solidária, participativa e distributiva em vez de egoísta e cumulativa. A poderosa mensagem vem de um homem que, independentemente de seu papel como líder religioso, lançou a semente da revolução que pode nos libertar das armadilhas do mercado. Pode nos devolver o senso crítico para resistir à sedução desenfreada do consumo, que fragiliza o ser humano e a Terra em que ele habita.
Convicção religiosa, cada um tem a sua: genro e sogro, escritora e leitor (a). Ou não! Consciência social e ambiental, esta sim, precisa ser um bem comum e incontestável! Feliz Natal!
Por Rosana Jatobá
Texto publicado no blog de Rosana e no G1
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